A pouco mais de cem anos atrás, mais precisamente no ano de 1895, um público em torno de 30 pessoas reuniu-se em Paris para presenciar uma grande novidade. Estamos falando do cinema e da admiração que causou nas pessoas reunidas no mês de dezembro, no salão Grand Café, a exibição de "fotografias animadas". Era dia 28, quase final de ano, um ano que terminava deixando uma viva impressão nos presentes: a de que a nova invenção ali apresentada iria revolucionar a forma de se reviver os acontecimentos.

Nessa época ninguém sequer imaginava a possibilidade de alterar as dimensões do tempo e dos acontecimentos através da nova tecnologia, muito menos de criar acontecimentos que não existiam. O que se via ali com a projeção de L'Arrivée d'un Train à La Ciotat era simplesmente a reprodução o mais fiel possível - dentro das limitações dos equipamentos - da realidade ocorrida na chegada do trem. O cinema nascia com o gênero documentário.

O público do Grand Café estava acostumado a ver suas realidades reproduzidas em fotografias - uma forma de preservar a história. Mas eram fragmentos estáticos dessa realidade, flashs momentâneos de um mundo que possuía movimento. E agora tornava-se possível registrar também esse movimento.

O filme estava mais para um curtíssima metragem: apenas 50 segundos, filmado por Louis Lumière, suficientes no entanto para assustar a pequena platéia, muito distante das platéias de hoje, onde crianças nascem convivendo com sofisticados efeitos digitais. O susto devia-se não só ao movimento das imagens, como também ao fato delas mostrarem a locomotiva aproximando-se, enquadrada de frente, da plataforma da La Ciotat. O receio de serem atropeladas pelo trem fez com que a maioria instintivamente levantasse de suas cadeiras em direção à saída. Cada uma delas tinha comprado um ingresso para a "aventura" por 1 franco e essa é considerada a primeira exibição pública comercial de um filme.

A câmera utilizada por Louis foi construída juntamente com seu irmão, Auguste, ambos engenheiros da Usine Lumière, uma empresa de seu pai, Antoine Lumière, que fabricava filmes fotográficos. Não foi essa a primeira câmera produzida no entanto. Este aparelho, chamado por eles cinematógrafo, foi precedido por diversos inventos um pouco mais ou um pouco menos parecidos, desde as primeiras décadas de 1800.

E não era somente uma câmera, mas também projetor: desempenhava duplo papel, o que viria a ser individualizado ainda mais para frente. De lá para cá, o cinema virou indústria, caiu no gosto popular, atraiu dinheiro - muito, criou fama com belas atrizes e atores e foi-se aperfeiçoando tanto no aspecto tecnológico como no aspecto linguagem. Como linguagem surgiu logo a percepção de que era possível criar e mostrar realidades inexistentes, com as técnicas de edição e os famosos truques. Como tecnologia aperfeiçoaram-se as máquinas de projetar - os projetores, ganhando motores elétricos, áudio, maior estabilidade nas imagens, maior potência luminosa e maiores telas. E a câmera também ganhou melhorias: a manivela foi deixada de lado dando lugar também ao motor elétrico, embora ressurgisse décadas depois para "dar corda" em câmeras como as Bolex que funcionavam com esse princípio. Novas lentes surgiram, podendo serem trocadas e conferindo diferentes aspectos visuais.

Foi então que surgiu, na década de 40 dos anos 1900, um concorrente para quem antes reinava absoluto: a televisão. Pouco a pouco ganhando espaço, logo de início fez o antes inimaginável: levar para a sala das casas das pessoas o mesmo cinema que antes elas tinham que sair às ruas para assistir.

O cinema começou a perder público para a TV, era necessário fazer alguma coisa para trazê-lo de volta. Essa alguma coisa foram atrativos que a televisão não podia propiciar: uma tela muito mais larga, que parecia envolver os expectadores através de sua forma curva, ao invés da tradicional plana, e um som distribuído pelo ambiente, dando a sensação de se estar presente dentro da cena. Nasciam diversas técnicas com abordagens semelhantes, a mais conhecida delas, o Cinemascope.

A televisão não poderia por longo tempo competir com essas inovações: afinal, quesitos como a proporção das dimensões da tela não podiam ser mudadas da noite para o dia, haviam padrões a serem seguidos. Somente com a chegada da HDTV, nos anos recentes, foi possível se pensar em atrativos maiores, como a tela widescreen e a imagem com definição melhorada.

Por outro lado a invenção de Dickson, engenheiro responsável pela Edison Laboratories nos EUA, aproveitada no cinematógrafo dos irmãos Lumière, nunca sofreu grandes transformações em mais de um século de cinema: a fita de celulóide com os diversos fotogramas registrados um abaixo do outro. Ora mais larga, ora mais estreita, com janelas de diferentes tamanhos, áudio óptico ou magnético, continuava sempre sendo a mesma fita de plástico, antes mais grossa e inflamável, nos dias atuais fina, resistente e naturalmente não inflamável como o antigo celulóide.

Os processos digitais de captura de imagens no entanto foram chegando, primeiramente ao vídeo, irmão da TV. Câmeras passavam a gravar bits em fitas magnéticas, antes usadas para o registro dos sinais analógicos dos formatos VHS, BETACAM e muitos outros. O processamento digital dos sinais de vídeo tornava-se realidade, acrescido ao uso dos computadores nas estações de edição não linear – referência ao acesso não obrigatoriamente linear proporcionado pelo disco rígido dessas máquinas.

Foi então que o mesmo processo, antes restrito ao vídeo, chegou ao cinema. No ano de 2002 a Sony desenvolveu para o diretor George Lucas uma câmera para captura de imagens de alta definição em 24 quadros por segundo, a mesma cadência utilizada no cinema. O vídeo digital até então trabalhava com a cadência de 50/60 campos por segundo, com algumas poucas opções de captura em 25 ou 30 quadros progressivos. Com a captura progressiva a 24qps, a nova câmera, denominada CineAlta HDW F900, foi por ele utilizada para a filmagem do episódio 2 da série Star Wars, “O Ataque dos Clones”. A partir dessa experiência outras empresas passaram a compor o cenário de câmeras digitais voltadas para cinema, como a Dalsa e a tradicional Arri, fabricante de câmeras para películas.

Diversos filmes foram até hoje total ou parcialmente capturados em película. Do outro lado no entanto, permanecia ainda a mesma fita de plástico: através do processo chamado transfer, utilizado até hoje, seu conteúdo era transferido (daí o nome) do vídeo para película. Mas esse processo está hoje com os dias contados.

A projeção digital nos cinemas é hoje uma realidade, já a um bom tempo, desde que “Um marido ideal” foi exibido ao público em projeção digital, nos EUA, em dois cinemas, um em Nova York e outro em Los Angeles. Quando se vai ao cinema hoje em dia, é quase que padrão assistir trailers e comerciais em projeção digital, antes do filme, em película, ter sua projeção no formato tradicional iniciada. Isso acontece principalmente devido a um acordo feito em 2005 pelo DCI, um consórcio formado pelos principais estúdios de cinema de Hollywood, o Digital Cinema Initiative, visando proteger a qualidade das imagens projetadas digitalmente, entre outros tantos motivos.

Ocorre que os projetores digitais para cinema já estão suficientemente desenvolvidos, existindo já a vários anos equipamentos que produzem imagens com a mesma qualidade da película, e muitas vezes até superior, em termos de definição, isso sem se falar em estabilidade e limpeza – imagens livres de sujeiras, riscos e demais defeitos. Porém existem projetores e projetores, com diversos níveis de resolução, e o DCI só permite a projeção dos filmes de seus associados em salas com os equipamentos que tenham a mesma qualidade da película, referidos acima.

Do outro lado, estão os exibidores, as empresas de distribuição e toda uma grande cadeia de interesses comerciais, em busca de acordos e parcerias. Com a projeção digital, abrem-se novos horizontes: por quê não exibir um concerto de rock, um show, uma corrida de Fórmula 1 ou um campeonato de futebol, onde antes só era possível exibir películas, se estas não existem mais, no novo modelo? Os meios eletrônicos de distribuição permitem rapidamente a reprogramação entre salas, e essa nova flexibilidade precisa ser acertada entre as empresas participantes desse grande teatro eletrônico.

Um teatro que cresceu e evoluiu, onde a locomotiva da La Ciotat agora toma formas as mais diversas possíveis, transformada agora em cinema digital.