Muito se tem feito nos últimos anos na área de captação de energia solar: dos painéis dispostos em telhados, o sistema de alimentação de satélites e a calculadora sem pilhas todos fazem uso da luz emitida pelo Sol. Sua luz aquece a água nos telhados e gera energia elétrica ao atingir as células solares. Estas são formadas por compostos especiais que conseguem transformar luz em energia, através de um efeito chamado fotoelétrico.

O princípio de funcionamento dos sensores de imagem das câmeras baseia-se na montagem de milhares de minúsculas células como essas em um painel como se fosse uma imensa colméia. A luz das imagens projetadas ali pelas lentes da câmera vai deixar áreas mais claras e áreas mais escuras e de forma correspondente a energia elétrica gerada vai ser mais intensa ou menos intensa nessas áreas. Esse processo vai ocorrer dentro de cada uma dessas minúsculas células e cada uma delas vai corresponder ao que chamamos pixel.

Desta forma consegue-se fazer uma "tradução" de uma imagem em um mapa de sinais elétricos, mais intensos ou menos intensos conforme o nível de claridade de cada um de seus pontos. Agora esses sinais podem ser armazenados em algo que possa armazenar coisas assim, como uma fita magnética, um cartão de memória sólida, um disco HD, etc...

Esse conteúdo que agora é uma "imagem eletrônica" pode então ser manipulado, tendo trechos seus cortados, acrescentados ou modificados, no processo de edição. Finalmente, quanto estiver pronto vai ser direcionado a um dispositivo que possa fazer o processo inverso, ou seja, transformar sinais elétricos em imagens. O televisor é um desses dispositivos.

O que se espera desse processo todo então é que a imagem captada pela câmera e mostrada em seu visor seja a mesma (descontando efeitos e edições) que é mostrada na tela do televisor. Porém as primeiras experiências, ainda na época do primeiro sistema comercial de TV, o NTSC P&B nos EUA, mostraram o contrário. O televisor existente na época era o tipo CRT, que emprega um tubo de raios catódicos (Cathod Ray Tube, daí seu nome) para formar as imagens. Em um tubo onde há certo nível de vácuo em seu interior, um canhão de elétrons desenha linhas horizontais umas abaixo das outras, de alto a baixo, sem parar, na cadência de 60 vezes por segundo nesse sistema. Na verdade ele "salta" linhas desenhando linhas pares e depois ímpares e depois pares novamente e assim por diante, os conhecidos "campos" da imagem de vídeo entrelaçada.

Mas o que as primeiras experiências demonstraram foi que a imagem exibida no televisor era mais escura do que a imagem capturada pelas câmeras. Tal fato se devia ao modo como os canhões de elétrons funcionavam e não podia ser alterado ou "consertado" na época. A solução foi fazer um ajuste no sinal de vídeo logo após ter sido gerado pelas câmeras, uma espécie de "reforço" em sua intensidade de forma que a imagem correspondente nos televisores se apresentasse de forma normal, clara, como deveria ser. Durante anos, todas as câmeras fabricadas empregaram esse "reforço" de sinal e durante anos, todos, câmeras e televisores, conviveram muito bem com a questão.

Como esse "reforço" tornou-se um padrão, quando surgiram outros tipos de televisores, como os LCD e os plasmas, um problema se apresentou. Eles não tinham o "defeito" que os CRTs apresentavam, mas por causa do ajuste feito no sinal, nas câmeras, justamente visando corrigir CRTs, sua imagem apresentava-se excessivamente clara. Os engenheiros tiveram então que, curiosamente, fazer com que esses novos televisores se comportassem como os antigos CRTs, escurecendo as imagens, para que todos pudessem conviver no mesmo sistema de sinal, lado a lado, tanto CRTs como LCDs e plasmas.

E, do lado das câmeras, nos últimos anos percebeu-se que seria interessante deixar o usuário "mexer" nesse ajuste que faz o "reforço" no sinal gerado ali na câmera, antes fixo e sem acesso externo. Com isso a imagem podia ser escurecida ou clareada sem alterações nem na íris nem em artifícios eletrônicos de ampliação de sinal como o ganho (gain) por exemplo. E, mais do que isso, escurecida ou clareada em apenas determinados trechos dela. É assim que surgiram as curvas de gamma e controles sofisticados como o KNEE e diversos outros.

Este é, em resumo, o que vamos detalhar melhor a seguir.

O problema todo se resume na seguinte questão: na câmera, o sensor de imagem produz um resultado sempre proporcional entre luminosidade e intensidade de sinal elétrico gerado. Simplificando para entendermos melhor e usando uma linguagem mais livre: sobre um pixel onde não bate luz alguma (parte escura na imagem) o sinal gerado teria voltagem zero. Sobre um pixel onde a luz é máxima, o sinal teria voltagem 100 e sobre um pixel de tonalidade cinza-médio, correspondente a 50% na escala preto-branco, o sinal elétrico teria voltagem também 50. Essa é a tradução perfeita entre imagem e sinal gerado.

No entanto o televisor CRT não fazia o processo inverso de forma linear, pois se para um sinal de voltagem 0 a imagem também tinha brilho zero, observava-se que para o sinal de voltagem 50 a imagem ao invés de mostrar um tom de cinza médio, mostrava um tom de cinza bem escuro, correspondente a 18% na escala preto-branco. Em outras palavras, a imagem mostrada pelo CRT era bem mais escura do que a que tinha sido registrada pela câmera, como mostra a figura-1. Como solucionar isso?

Os engenheiros fizeram então um gráfico relacionando intensidade de sinal com intensidade de brilho na tela e descobriram que além dessa equivalência 50-18, outros pontos faziam com que a curva descrita fosse, ao invés de uma reta, uma curva como a mostrada na figura-2. Essa curva pode ser reproduzida facilmente fazendo-se brilho = (sinal) elevado a um expoente que convencionou-se representar pela letra grega gama, como mostrado na figura-3. O valor desse expoente aproxima-se muito de 2,5.

A figura-2 mostra, em verde, um exemplo onde o valor 0,7 de intensidade de sinal, quando elevado ao expoente 2,5 resulta 0,4099 na escala de intensidade luminosa. Se a resposta do sinal efetuada pelo CRT fosse linear, o valor de intensidade luminosa nesse ponto também seria 0,7.

Para compensar esse desvio, o sinal registrado pelas câmeras passou a ser modificado ainda dentro delas, em um processo denominado gamma correction. Essa modificação compensa o modo de exibição do CRT reforçando o sinal de maneira contrária, ou seja, a curva que descreve a voltagem gerada no sensor é alterada como mostra a figura-4. O efeito dessa compensação é que as duas curvas somam-se (sinal alterado e forma de reprodução do CRT) e o resultado é o desaparecimento da não-linearidade no CRT: a sua exibição de luminosidade torna-se uniforme, linear. A compensação passou a ser feita nas câmeras de vídeo desde a época do sistema NTSC P&B: é o "reforço" mencionado acima, mantido até hoje.

Pode-se observar que a curva corrigida é o inverso da curva original, como mostra a figura-5: para obtê-la basta elevar os valores de intensidade do sinal e um expoente também inverso do original, ou seja, 1/gamma, como mostra a figura-6. Como seu valor gira em torno de 2,5, o expoente será 1/2,5.

Com o processo gamma correction a câmera corrige a distorção de luminosidade na imagem e além disso melhora a percepção do olho humano ao observá-las. Um exemplo são os chamados "ruídos" na imagem: quando a TV surgiu, percebeu-se que o sinal ao ser transmitido com essa curva de gamma também ajudava a diminuir esses defeitos, que surgiam involuntariamente durante o processo de transmissão do sinal de TV.

O processo foi sendo melhorado ao longo do tempo, deixando de ser uma simples inversão da curva de sinal através de seu expoente. O expoente recebeu pequenos ajustes em seu valor para compensar questões relacionadas à percepção visual do olho humano (relacionadas a um efeito denominado surround effect) e a parte inicial da curva foi tornada reta para minimizar a presença de ruídos de imagem nessa área, correspondente às partes muito escuras da imagem, próximas do trecho do preto absoluto.

A correção de gamma foi colocada, como visto acima, no momento da geração das imagens, mais especificamente dentro das câmeras, por uma questão econômica: ou ela seria feita dentro dos televisores (CRTs) ou dentro das câmeras. No entanto, efetuar esta correção nos televisores implicaria acrescentar circuitos às mesmas, uma questão mais fácil de ser resolvida em termos de custo x benefício dentro das próprias câmeras.

Nelas, atualmente o ajuste é efetuado através de um circuito denominado DSP - Digital Signal Processor, que atua após o sinal analógico resultante da leitura dos pixels do sensor ter já sido digitalizado.

A principal função do DSP é a correção de gamma, mas câmeras mais elaboradas oferecem hoje em dia a possibilidade de efetuar ajustes adicionais nessa curva após a correção básica ter sido feita. Estas alterações normalmente são pré-determinadas de fábrica e cada uma delas acarreta um look (visual) ligeiramente diferente na imagem, ora acentuando o contraste, ora o diminuindo, ora fazendo alterações somente nas áreas mais claras, ou mais escuras, etc...

Diferentes fabricantes nomeiam com diversos nomes essas curvas, como "Cine-like", "Norm", "Cine1", "Low" e outras. De forma geral, quanto mais tendendo à horizontal forem essas curvas, menos contraste a imagem terá (imagem "lavada") e quanto mais tendendo à vertical, mais contrastada a imagem será. Alguns fabricantes mostram esses gráficos em sua documentação, mas o mais importante é entender para que serve cada uma e em qual situação seria melhor utilizá-las.

Um exemplo encontra-se no processo de transferência de imagens de vídeo para película cinematográfica (tendendo ao desuso com a adoção da projeção digital): esse processo costuma escurecer as imagens, por isso o ideal é capturá-las na câmera mais claras, "lavadas", com baixo contraste. Não por acaso, as curvas de ajuste de gamma que fazem isso recebem nomes que remetem ao cinema, como "Cinelike", "Cine1", etc... Em algumas câmeras também o ajuste pode ser mais refinado, tendo-se curvas como "Cine1", "Cine2", "Cine3", etc.. e testes devem ser feitos de diversas formas para encontrar-se a melhor combinação de ajustes.

O processo de ajuste de gamma traz recursos sofisticados, antes inimagináveis em uma câmera, como a possibilidade de escurecer somente um determinado trecho superexposto da imagem. Com os ajustes tradicionais, escurecer um céu muito claro com o auxílio da íris escurece também o restante da imagem. Mas o processo de ajuste de gamma permite hoje a opção de modificar não a curva inteira e sim somente um pequeno trecho dela, justamente onde o problema encontra-se: a exposição incorreta nas áreas de altas luzes.

Essa correção de um trecho isolado da curva de gamma chama-se knee e tem permitido cinegrafistas "salvarem" muitas situações complicadas de captura de imagens. Seu ajuste distorce a curva de gamma somente nesse trecho, causando um "achatamento" na variação de tonalidades claras.

Os ajustes de gamma podem ser bem mais complexos e precisos em câmeras mais sofisticadas, mas em sua forma mais simples já podem ser encontrados em diversos equipamentos do mercado. É a continuidade de uma tendência que verifica-se sempre, onde recursos técnicos inicialmente colocados em equipamentos de segmentos avançados acabam com o tempo surgindo também em equipamentos menos avançados. E os ajustes de gamma não fogem a essa regra.

figura 1

figura 2

figura 3

figura 4

figura 5

figura 6