A pouco mais de 50 anos atrás, com direito à presença do presidente da República, Juscelino Kubitschek, a empresa italiana Olivetti inaugurava em São Paulo uma fábrica com 400 operários para produzir mais de 2.000 máquinas de escrever por dia. Naquela época era inimaginável algo diferente para uso pessoal que fosse capaz de criar mecanicamente um texto em papel, sem ser através das tradicionais gráficas - uma impressora jato de tinta por exemplo.

Da mesma forma cálculos na mesa do escritório só poderiam ser feitos utilizando calculadoras mecânicas, com suas peças e parafusos imprimindo o resultado em uma fita de papel, em nada lembrando as calculadoras eletrônicas que hoje podem ser embutidas até na ponta de uma caneta.

Assim também, percorrendo outras áreas de diferentes aplicações iremos encontrar alguns anos mais tarde ainda, da fotografia transmitida via rádio de lugares distantes do planeta, a radiofoto, à câmera de TV nos estúdios com um disco giratório frontal trazendo diferentes objetivas e às filmadoras compactas de 16mm utilizadas nas reportagens de acidentes de trânsito.

Mas o mundo mudou, cresceu e evoluiu: em frações de segundo não só imagens mas músicas e muito mais são trocadas milhões de vezes mundo afora pela Internet, as câmeras trocaram o disco giratório pela lente zoom e o celular e o helicóptero passaram a acompanhar as notícias do bolso ou do ar...

A eletrônica e a computação encolheram e melhoram, em muito, a aparelhagem utilizada antigamente para fazer as coisas e também a forma como essas coisas são feitas. No campo da imagem em movimento, uma área essencialmente nascida e crescida na forma eletrônica foi a TV, desde a década de 40, com o NTSC, ainda em preto e branco, nos EUA.

Ela surgia, inicialmente ainda tímida, fazendo alguma sombra para o então dominante outro meio de expressar imagens em movimento, o tradicional cinema. E nascia já herdando características e o apoio do cinema: o tamanho da tela dos televisores, não por acaso foi estabelecido na proporção 4:3 (1,33), a mesma utilizada no cinema mudo 35mm e no cinema 16mm e ainda, ligeiramente, mas perfeitamente adaptável, no padrão Academy de 1,37 adotado nos EUA a partir da década de 30. Uma decisão baseada na enorme quantidade de filmes já existentes à época e nas possibilidades restritas de programação de estúdio nos anos iniciais de implantação. O cinema na bitola 16mm desempenhava também importante papel de apoio para a TV, desde a reprodução de reportagens de campo a exibição de comerciais previamente filmados.

Muitos e muitos anos mais tarde, com a TV implantada no Brasil, era dessa forma, em filme 16mm, que os melhores momentos do primeiro tempo dos jogos de futebol eram apresentados no intervalo, com o filme ainda úmido saído da revelação sob a forma de negativo - não havia tempo para conversão em positivo, a câmera do telecine encarregava-se de inverter os sinais P&B da imagem...

E essa televisão, nascida com a mesma tela praticamente quadrada do cinema, começou a incomodar, a fazer público em casa, que deixava de deslocar-se até os cinemas. Começa então uma disputa que permanece até hoje - e não tem previsão de término. O cinema revida com telas maiores, em formato mais largo, surgindo na década de 50 o Cinemascope e uma multiplicidade de outros formatos, inovando em apresentação visual e acústica, algo que a TV, engessada em seus rígidos padrões eletrônicos de 7,5 IRE, waveforms e vectorscopes não podia acompanhar. Mas a oportunidade surgiria com o HD e a possibilidade de se voltar à prancheta dos projetistas e renovar todo o parque eletrônico com a imagem na proporção 16:9. São lances subsequentes o 3D, na verdade antigo também no cinema, mas de que este se valeu para atrair público novamente e a promessa para breve dos televisores também em 3D, além da tela nas residências tão grande quanto uma das paredes da sala, prometida para alguns pares de anos à frente.

Segue-se a exibição digital nos cinemas, tão mal compreendida ainda pelo público e mesmo para muitos críticos, com muitas informações errôneas com frequência publicadas. O sistema encontra-se em fase de implantação, em meios termos na área de resolução devida unicamente ao modelo de negócio escolhido, com projetores mais baratos, mas com vistas a superação a curto ou médio prazo, uma vez que a tecnologia para isso encontra-se totalmente amadurecida e desenvolvida. Restam as discussões mercadológicas e comerciais.

Se na área de visualização final, televisores e telas de cinema, o processo está desenvolvido, o mesmo também ocorreu de forma violenta em termos de possibilidades na área da pós-produção. Basta citar a infinidade, profundidade e complexidade dos efeitos digitais hoje existentes, além da verdadeira revolução que trocou a moviola e suas cortadeiras-coladeiras pelas centenas de programas de edição não-linear hoje existentes.

E, mais recentemente, de alguns anos para cá, o processo de encontro do meio eletrônico (vídeo-TV) com o meio químico (película fotográfica e cinematográfica) consolidou-se definitivamente. Hoje em dia poucos utilizam os tradicionais filmes fotográficos, cujas fábricas vem encolhendo sua produção mês a mês. E, se não fecham, partem para outras mídias ou então para a construção da própria câmera, como já fazia a anos a Kodak, agora também a um bom tempo um entre vários fabricantes de excelentes equipamentos digitais.

No âmbito do cinema, a aproximação entre as duas tecnologias, eletrônica e película na verdade começou a se desenhar no ano de 1.995, quando foi lançada a primeira câmera Mini-DV, a DCR-VX1000 da Sony. Pois ela trazia para o público um recurso inovador, a captura de imagens no formato progressive scan, cuja principal característica é a imagem livre de defeitos de defasagem na montagem das linhas, ou seja, com qualidade fotográfica. O vídeo começava a aproximar-se do cinema, mas ainda diferenciava-se deste por uma característica básica: seu frame rate era de 30qps (sistema NTSC), enquanto o cinema tradicionalmente trabalhava em 24qps. Isso levou na época alguns diretores de fotografia a utilizar câmeras com o recurso progressive scan em formato PAL europeu, pois seus 25qps aproximavam-se muito do Olimpo dos 24qps...

Foi então que no ano de 2.002 o cineasta George Lucas deu um importante passo nessa área ao alinhavar um acordo envolvendo a Sony e a Panavision para criação de uma câmera de vídeo rodando não a 30 mas a 24qps, a HDW-F900, tendo com ela rodado o episódio 2 de Star Wars.

No mesmo ano a Panasonic apresentava uma solução barata de captura em 24qps para o público semi-profissional, gravando os 24quadros na já conhecida fita Mini-DV, que continuava rodando na cadência de 30qps. Como isso era possível? Através de um recurso denominado Pull Down, que empregava uma área de memória e a filosofia de trabalho do telecine, a máquina utilizada nas emissoras para transmitir filmes na TV, ou seja, algo que funciona em 24qps em algo que funciona em 30qps. A câmera era a DVX-100, tendo feito um grande sucesso entre diretores com orçamento ou proposta moldados para esse tipo de equipamento.

Faltavam no entanto ainda outras características do cinema, como a velocidade variável na câmera (slow motion e fast motion) e a pouca profundidade de campo utilizada para marcar o foco atrelado às diversas características do roteiro. A primeira, velocidade variável, surgiu também no ano de 2.002 com o lançamento pela Panasonic de sua memorável Varicam, uma sofisticada câmera com a qual era possível variar o frame rate de 4qps a 60qps, hoje comercializada sem a fita original e sim com slots de cartão P2 a um custo menor - o sistema original empregava 16 cabeças giratórias em um complicado mecanismo necessário para registrar os 100Mbs do sinal DVCPROHD na fita. Atualmente várias câmeras trazem esse recurso, como as conhecidas EX1-EX3 da Sony, entre outras.

E a pouca profundidade de campo foi endereçada com o uso ou de adaptadores de lentes, em versões para câmeras com ou sem lentes intercambiáveis ou da própria janela de imagem (CCD ou CMOS) em tamanho maior, na verdade, equivalente à área do fotograma de 35mm, permitindo o uso das lentes de fotografia ou cinema dessa bitola.

O range de câmeras empregando sensores deste tipo, verdadeiras máquinas sucessoras das antigas Panavision de película só tem aumentado nos últimos tempos: Arriflex D-21, Dalsa, Genesis, Viper, F900, Red e outras fazem lembrar que o fim da película está próximo. O que não deixa de ser verdade, vencidas algumas limitações. Nas salas de cinema, basta um bom projetor com resolução 4K (4.096 pixels na horizontal) para substituir com equivalência a película de 35mm - muitas salas hoje por aqui empregam ainda projetores com resolução inferior, 1,3K o que, muitas vezes, mesmo com essa limitação, produz imagem muito superior quando se compara a películas desgastadas com diversas imperfeições (aliadas a uma máquina ruim de projeção mecânica).

No entanto, no set de gravação, as antigas Panavisions ainda levam vantagem: no quesito latidude de imagem a película ainda não foi igualada ou superada pelo vídeo. Uma questão no entanto de tempo, alguns anos somente é o que especialistas prevêem. Afinal, quando as primeiras impressoras de computadores domésticos surgiram com suas barulhentas cabeças de agulhas, havia quem preferisse - com razão - o uso de uma boa máquina de escrever para datilografar algo que exigisse qualidade na apresentação.