O vídeo e o cinema são meios bem diferentes de se mostrar uma imagem em movimento. E essa diferença pode ser notada mesmo quando você passa diante de uma TV ligada e dá 'aquela olhadinha rápida' , só para ver o que está passando no momento... ahhh, é um filme... que filme será ??

Quando você pensou isso, é porque, inconscientemente, deduziu tratar-se de um filme e não de um programa qualquer, não por causa de seu conteúdo (poderia por exemplo ser uma mini-série, que a teledramaturgia nos mostra com frequência) e sim por causa das imagens que você observou ali na tela. Sim, é verdade: a imagem de um filme é diferente da imagem captada por uma câmera de vídeo, algo que os entendidos dizem tratar-se do film look. Mas... a que se deve esse tal de film look ??

A primeira coisa que vem à mente é que, como você deve saber, o cinema normalmente exibe suas imagens a uma frequência de 24 quadros por segundo (qps), e o vídeo, no formato NTSC, a 30 qps. No entanto, hoje em dia já é possível adquirir no segmento semi-profissional uma câmera de vídeo que também tem a opção de registrar imagens a 24 qps. Então deve ser isso, o film look é causado por essa diferença de velocidade, certo? Não, não é. Basta lembrar que o vídeo, no sistema PAL e suas derivações (exceto o nosso PAL-M) trabalha a 25 e não a 30 qps. E a diferença no aspecto visual de suas imagens em relação às do cinema continua existindo. E que a câmera que pode captar imagens a 24 qps não faz isso somente modificando a velocidade de registro dos quadros na fita.

Portanto, não é a velocidade mais baixa que confere à imagem do cinema um aspecto visual diferente do apresentado pelo vídeo. Se assim fosse, ao projetar-se o mesmo filme a 30qps ao invés de a 24qps, seu aspecto ficaria como o do vídeo, o que não acontece. Por outro lado, aumentar a cadência na câmera de cinema durante a filmagem também não faz a imagem cinematográfica ficar como a do vídeo. Se assim fosse, isso ocorreria nas cenas filmadas em câmera lenta (onde a velocidade na câmera é aumentada, para projetá-la posteriormente em velocidade normal). Nem mesmo projetar em velocidade maior esse filme, captado também em velocidade maior, reproduz o "vídeo look".

Você pode estar agora pensando em uma explicação baseada em outro aspecto das imagens: a granulação. Muitas vezes é possível perceber isso em alguns filmes, onde por exemplo a imagem das paredes escuras de um armazém apresenta-se algo granulada, como se as lentes da câmera estivessem recobertas por um fino pó... No entanto, também não é a granulação fator responsável pelo film look . Ela é inexistente na maioria das vezes no vídeo, exceto nas situações onde a imagem é subexposta, ou seja, em locais por exemplo com pouca iluminação. E películas de cinema no formato 70mm dificilmente apresentam granulação visível. Por outro lado, fitas de vídeo gravadas com pouca luz, como visto acima, apresentam com frequência granulação visível.

Você vai então tentar outra chance: películas cinematográficas desgastam-se com as sucessivas 'passadas' pelo projetor, onde diversos roletes-guias, cilindros e outros mecanismos acabam produzindo alguns riscos ou marcas na superfície da fita. Somando-se a isto eventuais cuidados inadequados na manipulação e conservação das fitas tem-se o visual típico de filmes antigos ao serem projetados, existindo inclusive um efeito em softwares de edição-não-linear para imitar isto. No entanto, por tratar-se de um defeito (filmes novos não o possuem) não pode ser considerado como responsável pelo film look.

Ainda mais outra possibilidade - e que também não é a causa do film look: a proporção entre altura e largura da imagem, conceito conhecido como aspect ratio. O aspect ratio diferente (proporções de imagem utilizadas em cinema mais largas do que a tradicional 1,33:1 utilizada na TV, como 1,85:1 do cinema americano ou 1,66:1 do cinema europeu por exemplo) também não é o responsável pelo film look: colocar faixas horizontais de papel acima e abaixo da superfície da tela de uma TV transmitindo programação ao vivo não muda em nada a imagem, apenas deixa seu formato parecido com o do cinema. Se fizermos isso, continuaremos a notar uma grande diferença quando a programação desta TV com faixas de papel mostrar um filme e mostrar uma novela por exemplo.

O que confere à imagem cinematográfica um visual diferente do visual da imagem do vídeo (o film look) é a latitude de exposição, muito diferente no vídeo e na película cinematográfica (que é igual à película fotográfica). Por latitude entende-se a faixa de variação possível em termos de exposição, indo dos tons mais claros aos tons mais escuros. A latitude de exposição do vídeo é cerca da metade da latitude máxima de exposição atingida pela película cinematográfica. É por isso que uma mesma cena de um espetáculo teatral, onde é comum o uso de grandes contrastes de luz e de grandes variações de meios-tons, apresenta-se tão diferente em uma gravação e em uma filmagem. Um vaso de plantas na penumbra por exemplo, localizado em um canto do palco não muito iluminado, será visto pelo filme com os detalhes e nuances de suas folhas e os desenhos existentes na parte externa do vaso, embora em tons de cinza escuro. Já o vídeo o verá como um objeto totalmente negro. O equivalente acontece com as tonalidades claras, é isto o que faz a imagem do vídeo ser diferente da imagem do cinema e é esta a causa do film look.

Existe no entanto outro aspecto, que juntamente com a latitude de exposição, confere diferença entre os formatos filme e vídeo: a profundidade de campo (zona para trás e para frente do ponto focalizado, onde tudo fica nítido). Quando menor a área da imagem formada pelas lentes, maior a profundidade de campo da imagem. Como os CCDs normalmente usados nas câmeras de vídeo tem área bem menor do que a do fotograma de 35mm (o mais usado em cinema), a maioria dos filmes apresenta profundidades de campo pequenas na maioria das cenas, o que é menos comum de se ver em vídeo (na maioria das cenas, porque a profundidade de campo depende também de outros fatores, como a abertura utilizada por exemplo).

Portanto, a latitude de exposição e a menor profundidade de campo na maioria das cenas é que são as causas verdadeiras do film look. Outros aspectos, como a proporção mais larga da imagem, a velocidade mais baixa, etc... ajudam na semelhança, mas não são isoladamente causas do aspecto visual da imagem ser tão diferente.

Existem softwares e plug-ins específicos para 'maquiar' uma imagem de vídeo e torná-la bem parecida com a do cinema, conferindo a ela um certo film look. Juntamente com outras técnicas e truques durante a produção, como filtros para suavizar a imagem, o uso constante de pequena profundidade de campo, a gravação em PAL europeu (25qps), a fuga de situações de alto contraste, o uso de transições somente do tipo corte seco e dissolve, etc.., um material gravado em vídeo pode aproximar-se bastante de um filmado em película, a ponto de enganar muitos observadores. A proporção de tela larga pode ser conseguida ainda na própria câmera, durante a gravação: muitos equipamentos dispõem da opção de formato 16:9 (que não é igual a nenhuma proporção utilizada em cinema mas se aproxima da clássica 1,85:1). Em algumas câmeras, o processo é mais rudimentar: barras pretas são simplesmente acrescidas acima e abaixo da imagem. Em outras, mais sofisticado: um retângulo de dimensão 16:9 é selecionado dentro do chip de 4:3 tradicional e sua imagem é comprimida eletrônicamente na linha horizontal até ficar com a proporção 4:3, com a qual é gravada (para ser visualizada, tem que ser descomprimida horizontalmente, em televisores de tela larga). E há o processo ideal, que utiliza a famosa lente anamórfica (dos tempos do Cinemascope) para comprimir horizontalmente a imagem (que também necessita descompressão para ser visualizada). Por fim, a quarta opção, que é gravar normalmente em 4:3 e colocar barras pretas na edição-não-linear.

Por outro lado, os equipamentos de alta definição começam a chegar e a entrar já, embora ainda timidamente, no meio semi-profissional. Nas TVs abertas, algumas mini-séries e novelas tem experimentado esse novo formato. E nessas imagens, o que se vê (mesmo com inevitáveis perdas da alta definição sendo transmitida através de um sistema de baixa definição) é a ampliação da faixa de contraste: pode-se perceber que as imagens desses programas parecem-se muito mais com as de um filme do que com as do vídeo. É o vídeo, evoluindo e aproximando-se da qualidade do cinema, deixando para trás, aos poucos, conceitos como o film look, usados atualmente diferenciá-los.